sábado, 26 de janeiro de 2013

Liderança e austeridade


Abraham Lincoln





“Praticamente todo o ser humano
consegue suportar a adversidade,
mas se quisermos testar o seu
carácter é darmos-lhe poder”



Vivemos actualmente numa época de crise. Uma época conturbada que exige uma liderança competente e uma chefia forte.

Dito de outro modo, necessita-se de


«Uma luva de veludo sobre uma manopla de aço»


Será que o nosso Governo está a saber lidar com a situação?

Para darmos pistas para chegarmos a conclusões, vejamos algo do que se diz a respeito do exercício do Poder.

Comecemos por referir que habitualmente distinguem-se cinco tipos principais de poder

  • poder legítimo
  • poder informacional ou pericial
  • poder carismático ou de referência
  • poder coercivo
  • poder premiador ou de reforço

Vamos recordar o que se entende por cada um deles:


1) PODER LEGÍTIMO

Fundamenta-se na organização ou na cultura, na medida em que, uma ou outra, por normativo estatutário ou por assentimento social, reconhecem a legitimidade do poder.

As organizações definem funções sociais e estabelecem uma hierarquia de exercício de poder institucionalizando a dicotomia da autoridade. Formam-se assim "grupos de dominação" e "grupos de sujeição",

Os indivíduos que estão situados nos níveis mais baixos reconhecem e aceitam o poder e influência dos que estão regularmente investidos em cargos. É importante notar que:

Quanto mais hierarquizada estiver uma organização, mais o poder está ligado ao CARGO e não à pessoa.

Por exemplo, o juiz tem o poder de aplicar penas e o presidente da câmara o poder de adjudicar obras, independentemente do titular que exerce o cargo. O cargo em si dispõe de um conteúdo próprio de poder bem definido.

O possuidor do poder legítimo não tem de explicar a razão porque deseja um determinado tipo de actuação.
A pessoa com poder legítimo tem influência, não porque diga as coisas certas, mas porque tem o direito de o exercer.

No entanto, o exercício da legitimidade acaba por depender sempre da sua aceitação pelos indivíduos, pela sociedade, pelos grupos de influência ou pela cultura dominante. Se se criar uma distância acentuada entre o titular e o contexto, podem ocorrer reacções que adiante estudaremos.


2) PODER PERICIAL

Fundamenta a sua autoridade no saber, na especialização ou na experiência,

Assume particular importância nos sectores da economia, da indústria ou nos pontos fundamentais que controlam os fluxos relacionais ou os circuitos administrativos. O indivíduo é encarado pelo grupo e pelo poder legítimo como "o perito", ou "aquele que sabe" e portanto "aquele sem cuja opinião se não pode decidir".
Nas organizações complexas ou de elevada tecnologia, o poder pericial tende a ganhar proeminência. É comum em muitas empresas que o alto especialista aufira salários mais elevados do que o próprio poder legítimo já que a importância do poder que exerce cresce na razão directa da complexificação social ou organizacional.

Numa reunião de vários tipos de poder, o especialista pode ser aquele que centralize mais poder, pelo facto de ser o único que dispõe de conhecimentos/informação necessária sobre o funcionamento e potencialidades da matéria objecto da decisão. Ele torna-se a mola real da estratégia da organização.

No entanto esta forma de poder caracteriza-se por uma grande volatilidade. De facto, uma vez a informação prestada o poder desaparece pelo que é indispensável a quem o exerce uma continuada pesquisa de informação de modo a manter a sua imprescindibilidade como perito. É o caso da constante evolução tecnológica que torna obsoletos, cada vez com maior rapidez os conhecimentos adquiridos.


3) PODER CARISMÁTICO

O poder carismático é determinado por um conjunto de qualidades de que são portadores (ou se acredita que são portadores) determinados líderes.

Conduz a uma admiração e adesão dos seguidores, que consideram essas qualidades como "mágicas" ou "sobre-humanas". O carisma manifesta-se por uma atracção motivante, que desencadeia uma atitude de identificação relativamente ao líder, tomado como referência.

Uma das grandes vantagens deste tipo de poder é de não requerer vigilância para ser eficaz. As pessoas desejam assemelhar-se ao modelo e estão auto motivadas para seguirem o comportamento deste.

O poder carismático pode ter ou não ter a ver com o poder legítimo. Homens que marcaram uma época como Ghandi ou Martin Luther King nunca exerceram qualquer cargo na hierarquia do estado; no entanto dispuseram de poder em tão larga escala que as suas orientações tiveram adesão generalizada e estiveram na origem de profundas transformações sociais.

Uma chefia legítima que consiga uma liderança carismática sobre os seus subordinados consegue galvanizar a sua equipa e levá-la a alcançar resultados considerados impossíveis.


4) PODER COERCIVO

O poder coercivo assume duas vertentes:

A faculdade de poder forçar a execução e dispor dos meios para o efeito

A faculdade de poder aplicar punições

Nas organizações o poder coercivo manifesta-se na aplicação dos regulamentos e, em último caso, no despedimento.

Note-se todavia que:

O PODER COERCIVO NUNCA É ABSOLUTO

De facto, a sociedade que aceita e regulamenta a existência da punição reage quando o poder coercivo ultrapassa determinados níveis sociológicos de tolerabilidade.

No entanto, essa mesma sociedade sente a necessidade do poder coercivo já que a simples convicção dos princípios não é suficiente para que as regras sejam cumpridas.

Na prática, se não existe possibilidade de punição, não existe o cumprimento das regras aceites. A própria sociedade estabelece o equilíbrio entre o "nível de intolerabilidade" e o "nível de indispensabilidade"
 


Um exemplo concreto dos nossos dias terá sido a actuação das forças policiais em algumas situações recentes.

Conquanto a necessidade de existência das forças de segurança não possa ser posta em causa, o exagero da sua actuação em certas circunstâncias pode provocar a revolta dos indivíduos atingidos e da própria sociedade.


5) PODER PREMIADOR OU DE REFORÇO

O poder premiador ou de reforço deriva da capacidade o líder em recompensar o trabalho do indivíduo ou satisfazer as suas aspirações e expectativas. Nas organizações está frequentemente associado ao poder legítimo já que é este que decide sobre salários, evolução nas carreiras e benefícios extra.

Está muitas vezes ligado à posição-chave desempenhada num circuito de produção ou num fluxo de trabalho. Em igualdade de circunstâncias pode satisfazer-se mais depressa um pedido do que outro.

Na utilização deste tipo de poder, é indispensável conhecer as motivações dos subordinados já que as suas escalas de valores podem ser diferentes e o prémio motivador para um pode ser absolutamente indiferente para outro.

E não esquecer NUNCA que o dinheiro é um mau motivador já que a sua motivação se esgota no pouco tempo em que as pessoas se habituam ao novo nível remuneracional.

Por outro lado, a utilização de reforços não conduz à interiorização de atitudes pelo que a modificação de comportamento só terá lugar enquanto existirem reforços para serem distribuídos.


O exercício da autoridade

Conforme a forma em que se fundamenta a autoridade, podemos distinguir três tipos de chefia, que se indicam no esquema seguinte:



O Chefe

Exerce a sua autoridade com base na chamada autoridade tradicional (poder coercivo, poder legítimo e poder premiador). É o protótipo do chefe tradicional, paternalista, do “patrão”.

Convém dizer que em si, a autoridade tradicional não é má. Na realidade é a base sobre a qual assentam os outros dois tipos, esses sim, exclusivos entre si. Sê-lo-á se for o único sustentáculo da autoridade de uma chefia. Por esse motivo deverá ser guardada de reserva e só devemos recorrer a ela quando não houver outra hipótese.

Nessas circunstâncias, seguindo o esquema, devemos começar a utilizá-la de cima para baixo, ou seja, devemos começar por utilizar o poder premiador, seguidamente o legítimo e, só em último caso, o coercivo


O Gestor

Exerce a sua autoridade com base na experiência e no conhecimento, ou seja, no poder informacional ou pericial.

Dado que a sua autoridade se fundamente no facto de saber mais do que os seus subordinados, o gestor é extremamente cauteloso na forma como os treina. Em caso algum partilha os segmentos mais significativos dos seus conhecimentos, já que é a própria essência da sua autoridade que ficaria exposta. Se alguma vez o faz, isso significa que, entretanto já adquiriu novos conhecimentos que sustentam a sua posição de chefia.

Dada a base de sustentação da sua autoridade estar no poder do conhecimento, o Gestor procura incessantemente adquirir novos conhecimentos a fim de não ser ultrapassado pelos seus colaboradores.


O Líder

Exerce a sua autoridade com base no carisma pessoal, no estímulo e na motivação. Procura incessantemente colaboradores que o libertem do seu trabalho rotineiro, lançando-se para desafios de criatividade cada vez mais elevados.

Tem a preocupação constante de incentivar o desenvolvimento pessoal e a formação dos seus colaboradores, assumindo um papel marcado de generalista, coordenador e incentivador da sua equipa.

Postas estas considerações sobre o Poder e o seu exercício, alguém conseguirá classificar o tipo de poder exercido pelo nosso Governo?

Que tem poder legítimo, não haverá qualquer dúvida. Venceu as Eleições Legislativas, tem maioria absoluta na Assembleia da República, esse poder não pode legalmente ser contestado.

No entanto, como vimos acima, no caso de deficiente uso do poder, ele pode deixar de ser aceite pelos indivíduos a ele subordinados. E este é um risco sempre presente e que já sentimos nas contestações dos últimos tempos, em particular na de 15 de Setembro.

Também podemos constatar que o Governo utiliza o poder coercivo. Mas, como vimos, este poder não é absoluto e oscila entre dois níveis. E, neste momento, com as medidas de austeridade tomadas sem sensibilidade, aproxima-se perigosamente do nível de intolerabilidade.

Poder premiador, não se vislumbra. A não ser que esteja a ser reservado e utilizado para os apaniguados do aparelho do Estado, os «boys» e «girls» que sempre esvoaçam em redor de quem tem poder como moscas em volta de um pedaço de mel. Mas nada que atinja ou beneficie o eleitorado.

Poder pericial! Alguém tem reconhecido competência inatacável na (inexistente) linha de rumo de um governo que anda ao sabor das marés?

Quanto a poder carismático, não vale perder tempo a falar. Tem mais carisma o treinador do Benfica ou o Presidente do FCPorto do que qualquer dos membros do governo...

Sintomas de recuperação (externa) vão aparecendo alguns. Mas fica a dúvida se serão por mérito de quem nos orienta ou dos talentos impostos pela «detestada» e omnipresente «troika».

E quando se assiste à emigração diária dos nossos licenciados, a nata da nossa sociedade, rumo a países mais desenvolvidos, ou à fuga das nossas empresas do Norte para a vizinha Galiza, pergunta-se que loucura se apoderou dos nossos governantes para deixarem fugir aquilo que nos poderia reerguer...


Para onde nos está a levar, senhor Primeiro-Ministro?


Ou, para si e para os demais políticos amadores deste país, não passamos de gado que se conduz às cegas para o matadouro?

Fiquem bem. Até amanhã




1 comentário:

Fernando Carvalho disse...

Excelente texto de referência para quem é (ou aspira ser...) um líder